A Lei 7.210/84, conhecida como Lei de Execução Penal, é um marco importante no sistema de justiça criminal brasileiro. Ela foi criada com a intenção de garantir um tratamento humano e digno para as pessoas privadas de liberdade, promovendo a ressocialização dos reeducandos. A lei possui pontos positivos que, se seguidos à risca, poderiam efetivamente auxiliar na reintegração dos indivíduos à sociedade. Entretanto, a realidade do sistema carcerário brasileiro está longe de refletir os ideais propostos pela legislação. E o cenário não é diferente em Mato Grosso.
Um dos grandes problemas do sistema carcerário brasileiro é a falta de distinção entre os diferentes perfis de detentos. Pessoas que estão aguardando julgamento são colocadas nos mesmos presídios que os condenados, independentemente da gravidade dos crimes cometidos. É como misturar maçãs boas com maçãs podres o que, muitas vezes, resulta na corrupção de indivíduos que poderiam ser ressocializados. A convivência forçada com criminosos “mais experientes” e, principalmente, com faccionados, pode transformar alguém que entrou no sistema por um delito menor em um criminoso ainda mais perigoso.
É claro para todos que as organizações criminosas e facções, que dominam muitos presídios brasileiros, agravam ainda mais essa situação. Detentos que não fazem parte dessas facções se tornam vulneráveis a abusos e coerções, muitas vezes sendo forçados a se aliar a esses grupos para sobreviver. Esse ambiente hostil dificulta, quando não impossibilita, qualquer tentativa de ressocialização.
Recentemente, o supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF), desembargador Orlando Perri, afirmou que as penitenciárias são o “bunker” das organizações criminosas e facções, é onde está o “generalato” do crime. A discussão era sobre a entrada dos celulares para os presos, mas também reforça a preocupação com a entrada dos presos “menos perigosos” nestes espaços.
Outro ponto crítico é a falta de investimento do Estado na estruturação de um sistema carcerário que realmente promova a ressocialização. Em Mato Grosso, por exemplo, muitos presídios são precários e mesmo após o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo de Mato Grosso ter percorrido as unidades prisionais do Estado, algumas unidades, principalmente a Penitenciária Central do Estado (PCE), citando como exemplo, não têm oferecido programas adequados de trabalho ou estudo para os detentos. A remissão proporcional por estudo, que é um direito garantido pela Lei 7.210/1984, alterada pela Lei 12.433/2011, muitas vezes não é respeitada, segundo informações dos penitentes.
Essa negligência por parte do Estado transforma os presídios em depósitos de pessoas, ao invés de espaços de recuperação e reabilitação. E depósitos, definitivamente, não ressocializam.
O que se vê, na prática, em nosso Estado, é uma maquiagem das condições carcerárias, em vez de uma reforma estrutural necessária. O Estado precisa investir em novos presídios, em programas de trabalho e educação para os detentos e, principalmente, em uma separação criteriosa dos presos, para que a ressocialização seja uma realidade possível. Sem isso, o sistema continuará a produzir criminosos mais perigosos do que aqueles que nele entraram, perpetuando um ciclo de violência e criminalidade, e a certeza que não sairão ressocializados.
A mudança no sistema carcerário é urgente, pois, sem ela, não podemos esperar que a sociedade brasileira se torne mais segura ou mais justa.
*Jorge Henrique Franco Godoy é advogado em Mato Grosso, especialista em tribunal do júri.