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domingo, 22 de dezembro de 2024

Defensoria quer ação pedindo fim de vara única da Saúde em MT

Órgão vai encaminhar Nota Técnica a associação à Procuradoria Geral da República

A Defensoria Pública de Mato Grosso encaminhará à Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) e à Procuradoria Geral da República (PGR) uma Nota Técnica para que ingressem com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra resolução do Tribunal de Justiça de Mato Grosso que estaria dificultando o acesso do cidadão à Justiça.

 

Com a proposta da Adin busca-se derrubar a regra que concentrou, desde setembro deste ano, numa única vara em Várzea Grande, o julgamento de todos os casos de saúde nos quais o cidadão cobra atendimento do município e do Estado na Justiça. A medida do TJ entrou em vigor com a Resolução 09/2019, o que na prática dificultou o acesso dos defensores aos juízes.

A Nota foi produzida pelo Grupo de Atuação Estratégica em Direitos Coletivos de Saúde (Gaedic-Saúde), formado por sete defensores públicos de diversas comarcas.

 

Nela, eles afirmam que a resolução é inconstitucional por apresentar “vício de iniciativa”, violar normas e princípios constitucionais e supralegais, criados para facilitar o acesso do povo à Justiça.

 

Os Grupos de Atuação Estratégica em Direitos Coletivos (Gadeics) foram instituídos pela portaria 1091/2019, assinada pelo defensor público-geral, Clodoaldo Queiroz e publicada no Diário Oficial que circulou dia 8 de outubro.

 

Entre as normas legais que seriam violadas, segundo a Defensoria, estão o Código de Processo Civil (CPC), o Estatuto da Criança e do Adolescente e a própria Constituição.

 

Nesses textos fica definido que o cidadão, por exemplo, tem direito ao juiz natural, que numa das interpretações significa a possibilidade do cidadão entrar com ação na Justiça no lugar onde ele mora. Essa regra está no CPC e foi criada para facilitar o contato dos representantes legais da parte com o juiz.

 

Porém, desde setembro, todas as ações nas quais o cidadão cobra atendimento de saúde, do Município e do Estado são encaminhadas para a 1ª Vara de Fazenda Pública de Várzea Grande, onde, um único juiz é responsável por despachar em processos originados nos mais diversos municípios de Mato Grosso.

 

O resultado prático da medida, explicam os defensores, é o aumento no tempo de espera por decisões que precisam de urgência para que uma vida seja salva, por exemplo.

 

As dificuldades impostas pela distância, às vezes de 900 km ou mais, entre o juiz e os defensores públicos, impedem que o julgador entenda a urgência e necessidade de quem recorre à Justiça.

 

“A Defensoria Pública entra com ações na Justiça na comarca onde mora o cidadão que nos procura. Se estamos a 700 km, 900 km de Várzea Grande, ter contato com o juiz, por telefone ou pessoalmente, é uma enorme dificuldade. E é nossa função fazer esse contato para evidenciar os motivos da urgência de uma decisão. Agora, imagine fazer isso quando inúmeros defensores e advogados precisam falar com uma única equipe, de um único juiz”, questiona o coordenador do Gaedic-Saúde, Jardel Marquez.

 

Espera por UTI

 

O caso do idoso morador da zona rural de Alta Floresta, 791 km de Cuiabá, Adelino Tibola, 60 anos, que morreu no dia 1º, após seu pedido ter sido julgado na Justiça, ilustra a dificuldade para fazer o julgador entender a peculiaridade de cada caso. Adelino aguardava vaga na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do único hospital privado da cidade, havia uma semana.

 

Segundo os médicos, ele não tinha condições físicas para fazer uma viagem, por terra ou aérea, para ocupar uma vaga do Sistema Único de Saúde (SUS) em outra cidade.

 

A DPMT entrou com ação, com pedido de liminar, na 1ª Vara de Várzea Grande, solicitando a vaga privada e explicando os motivos dessa opção, porém, o juiz determinou a transferência por UTI aérea, para uma vaga do SUS, em outra cidade. No dia 30 de outubro o pedido da vaga privada foi reforçado e novamente desconsiderado.

 

Diante disso, o Hospital Regional de Alta Floresta tentou fazer a transferência do paciente para outro município. Mas, a medida foi abortada antes que Adelino entrasse na UTI aérea. O quadro físico geral dele era delicado e a orientação dos médicos, registrada na ação da DPMT, foi mantida: o paciente não tinha condições de sair da cidade. Na tarde do dia primeiro de novembro, a morte de Adelino foi atestada.

 

Na Nota os defensores lembram que a Constituição Federal, no artigo 22, estabelece que compete à União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.

 

E que, ao concentrar numa única vara todo o atendimento de processos de saúde, nos quais o Estado e Município são cobrados, eliminando a regra do juiz natural, o TJ usurpa e invade competência da União e viola regras do CPC.

 

Com a nova regra, o TJ tira do cidadão que mora em São Félix do Araguaia ou em Alta Floresta, por exemplo, o direito legal de ter um juiz na região para julgar o seu caso com a rapidez e condições que a situação exige. O fato, explicam, desumaniza o sistema por reduzir o número de servidores e juízes para atender casos de urgência e emergência, e o cidadão vira mais um número, mais um processo.

 

“A Resolução 09 é inconstitucional, formal e materialmente, por ter vício de iniciativa, violar normas e princípios constitucionais que, em seu conteúdo jurídico, buscam atender, em último grau, a causa final do cidadão que procura a Justiça. E no que toca às demandas relativas à saúde pública, que buscam garantir a plena e eficiente oferta desses serviços públicos aos mais carentes”, diz trecho do documento.

 

Os defensores ainda lembram que a resolução subverte as regras legais ao transformar juizados especiais, como os que julgam casos de crianças e adolescentes, de fazenda pública e de feitos gerais, em juizados comuns.

 

“Com a medida o Tribunal inova na ordem jurídica, infringindo o princípio da reserva de lei formal, outro ponto que torna o documento inconstitucional. Os juizados especiais foram criados para especializar o julgamento das demandas e não deixar pessoas mais vulneráveis, como crianças e adolescentes, no mesmo patamar de fragilidade de outros. Com essa medida, eles eliminam os juizados especiais para todos que pleiteiam saúde, sem dar estrutura nessa única vara, para atender a demanda existente”.

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