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domingo, 22 de dezembro de 2024

Bolsonaro na Cúpula do Clima com checagens e contextualização

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) discursou, nesta quinta-feira (22), na Cúpula de Líderes sobre o Clima convocada pelo líder americano, Joe Biden. O brasileiro teve que esperar mais de uma hora e meia para fazer seu pronunciamento. Antes dele, numa lista elaborada pelos americanos, discursaram quase duas dezenas de líderes, entre os quais os governantes de China, Índia, Rússia, França e Argentina. Bolsonaro prometeu duplicar os recursos para a fiscalização ambiental, procurou destacar o Brasil na “vanguarda do enfrentamento do aquecimento global” e fez um apelo por contribuições internacionais, a na linha do que vem defendendo o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente). O jornal Folha de S.Paulo fez uma checagem do discurso do presidente, incluindo a contextualização em alguns trechos. * “Senhores Chefes de Estado e de Governo, Senhoras e Senhores, Agradeço o convite para participar desta Cúpula de Líderes. Historicamente, o Brasil foi voz ativa na construção da agenda ambiental global. Renovo, hoje, essa credencial, respaldada tanto por nossas conquistas até aqui quanto pelos compromissos que estamos prontos a assumir perante as gerações futuras. Como detentor da maior biodiversidade do planeta e potência agroambiental, o Brasil está na vanguarda do enfrentamento ao aquecimento global¹. Ao discutirmos mudança do clima, não podemos esquecer a causa maior do problema: a queima de combustíveis fósseis ao longo dos últimos dois séculos.” CHECAGEM DOS FATOS ¹ Embora o Brasil realmente seja considerado o país com a maior biodiversidade do mundo – Taxonômico da Fauna do Brasil aponta 116 mil espécies, o que representa 9% da fauna mundial – isso não se reflete no compromisso do governo com o meio ambiente. O Brasil liderou em 2020 o ranking mundial de desmatamento. O país concentrou mais de um terço da superfície de florestas virgens devastadas no planeta, cerca de 1,7 milhão de hectares, segundo o relatório Global Forest Watch, divulgado pelo World Resources Institute. “O Brasil participou com menos de 1% das emissões históricas de gases de efeito estufa¹, mesmo sendo uma das maiores economias do mundo². No presente, respondemos por menos de 3% das emissões globais anuais³.” CHECAGEM DOS FATOS ¹ Segundo o Climate Watch, plataforma do World Resources Institute, o Brasil foi responsável por 4,3% das emissões no acumulado total da série histórica, que vai de 1990 a 2018 e inclui emissões de gases de efeito estufa por mudança no uso da terra e silvicultura (LUCF, na sigla em inglês); já na série histórica que começa em 1850 e vai até 2018, mas não inclui emissões por LUCF, o Brasil foi responsável por 1,7% das emissões. ² Com um PIB de US$ 1,84 trilhões em 2019, de acordo com dados do Banco Mundial, o Brasil era a 9ª maior economia. ³ Os dados mais recentes do Climate Watch, de 2018, apontam que o Brasil foi responsável por 2,9% das emissões de gases de efeito estufa, considerando as por LUCF. Se excluídas estas emissões, o país respondeu por 2,2% do total daquele ano. “Contamos com uma das matrizes energéticas mais limpas¹, com renovados investimentos em energia solar, eólica, hidráulica e biomassa. Somos pioneiros na difusão de biocombustíveis renováveis, como o etanol, fundamentais para a despoluição de nossos centros urbanos.” CHECAGEM DOS FATOS ¹Segundo a Empresa de Pesquisa Energética, do governo federal, a matriz energética brasileira é formada por 45% de fontes renováveis, sobretudo a hidráulica e a biomassa, enquanto a taxa mundial de utilização de fontes renováveis é de 14%. Considerando os países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), as fontes renováveis de energia representam 9,8% da matriz energética. “No campo, promovemos uma revolução verde a partir da ciência e inovação. Produzimos mais utilizando menos recursos, o que faz da nossa agricultura uma das mais sustentáveis do planeta¹.Temos orgulho de conservar 84% de nosso bioma amazônico² e 12% da água doce da Terra.” CHECAGEM DOS FATOS ¹ No ranking de agricultura sustentável do Índice de Sustentabilidade Alimentar, desenvolvido pela Economist junto com o Centro Barilla para Comida e Nutrição, o Brasil aparece na 51ª posição, com nota de 64,2 –a pontuação é uma média ponderada dos indicadores nas categorias de água, solo, emissões e usuários do solo e, quanto maior o índice, mais sustentável é a agricultura. Em primeiro lugar está a Áustria, com 79,9, seguida da Dinamarca, 79,6, e de Israel, 78,3. ²De acordo com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), até agora, cerca de 700.000 km² já foram desmatados na região, o que corresponde a 17% da cobertura original da floresta, ou seja, 83% da vegetação original ainda está preservada. “Como resultado, somente nos últimos 15 anos evitamos a emissão de mais de 7,8 bilhões de toneladas de carbono na atmosfera¹.” CHECAGEM DOS FATOS ¹ O REDD+ é um incentivo para recompensar financeiramente países em desenvolvimento pela redução de emissões de gases de efeito estufa causadas por desmatamento e degradação da floresta. Segundo o site da iniciativa, entre 2006 e 2017, o país acumulou 7,4 bilhões de toneladas certificadas. “À luz de nossas responsabilidades comuns, porém diferenciadas, continuamos a colaborar com os esforços mundiais contra a mudança do clima. Somos um dos poucos países em desenvolvimento a adotar, e reafirmar, uma NDC [Contribuição Nacionalmente Determinada] transversal e abrangente, com metas absolutas de redução de emissões inclusive para 2025, de 37%, e de 43% até 2030.¹” CHECAGEM DOS FATOS ¹ Embora tenha mantido o objetivo de redução, o Brasil mudou a linha de base de cálculo sobre as emissões de 2005, que se mostraram superiores com o novo método. Ao mudar a linha de base sem ajustar a meta, o Brasil eleva seu teto de emissões até o fim da década, podendo emitir até 400 milhões de toneladas de gases-estufa a mais do que o previsto no compromisso anterior. “Coincidimos, Senhor Presidente, com o seu chamado ao estabelecimento de compromissos ambiciosos. Nesse sentido, determinei que nossa neutralidade climática seja alcançada até 2050, antecipando em 10 anos a sinalização anterior¹.” CHECAGEM DOS FATOS ¹ Em sua NDC, o Brasil estabelece a meta, mas diz que a “determinação final de qualquer estratégia de longo prazo, em particular o ano no qual a neutralidade climática pode ser alcançada” depende do funcionamento dos mecanismos financeiros estabelecidos no Acordo de Paris. No documento, o governo afirma que, a partir de 2021, o país precisará de ao menos US$ 10 bilhões ao ano para lidar com os “inúmeros desafios que enfrenta, incluindo a conservação de vegetação nativa e vários biomas”. “Entre as medidas necessárias para tanto, destaco aqui o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030, com a plena e pronta aplicação do nosso Código Florestal. Com isso reduziremos em quase 50% nossas emissões até essa data. Há que se reconhecer que será uma tarefa complexa. Medidas de comando e controle são parte da resposta. Apesar das limitações orçamentárias do Governo, determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados às ações de fiscalização. Mas é preciso fazer mais. Devemos enfrentar o desafio de melhorar a vida dos mais de 23 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia, região mais rica do país em recursos naturais, mas que apresenta os piores índices de desenvolvimento humano¹. A solução desse “paradoxo amazônico” é condição essencial para o desenvolvimento sustentável na região.” CHECAGEM DOS FATOS ¹ A região amazônica tem IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) menor do que o resto do Brasil. Em seus nove estados, o índice fica abaixo de 0,752, enquanto o do Brasil como um todo é 0,765. No entanto, estados do Nordeste tem níveis similares, e Alagoas é o estado com menor desenvolvimento humano, com índice 0,683. Os dados são da plataforma Atlas Brasil, parceria da ONU com o Ipea. “Devemos aprimorar a governança da terra, bem como tornar realidade a bioeconomia, valorizando efetivamente a floresta e a biodiversidade. Esse deve ser um esforço, que contemple os interesses de todos os brasileiros, inclusive indígenas e comunidades tradicionais. Diante da magnitude dos obstáculos, inclusive financeiros, é fundamental poder contar com a contribuição de países, empresas, entidades e pessoas dispostas a atuar de maneira imediata, real e construtiva na solução desses problemas. Neste ano, a comunidade internacional terá oportunidade singular de demonstrar seu comprometimento com a construção de nosso futuro comum. A COP26 terá como uma de suas principais missões a plena adoção dos mecanismos previstos nos Artigos 5º e 6º do Acordo de Paris¹.” CHECAGEM DOS FATOS ¹Os artigos do Acordo de Paris preveem a transferência dos resultados de redução de emissões de gases de efeito estufa de um país para o outro. Na prática, o texto estabelece um potencial comércio de reduções de emissões. Bolsonaro chegou a ameaçar que sairia do Acordo, mas recuou da decisão e disse a executivos no Fórum Econômico Mundial de 2019, realizado em Davos, na Suíça, que permaneceria no pacto. “Os mercados de carbono são cruciais como fonte de recursos e investimentos para impulsionar a ação climática, tanto na área florestal quanto em outros relevantes setores da economia, como indústria, geração de energia e manejo de resíduos. Da mesma forma, é preciso haver justa remuneração pelos serviços ambientais prestados por nossos biomas ao planeta, como forma de reconhecer o caráter econômico das atividades de conservação. Estamos, reitero, abertos à cooperação internacional. Senhores e senhoras, como todos reafirmamos em 92¹, no Rio de Janeiro, na conferência presidida pelo Brasil, o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de tal forma que responda equitativamente e de forma sustentável às necessidades ambientais e de desenvolvimento das gerações presentes e futuras.” CHECAGEM DOS FATOS ¹Referência à Eco-92, Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992. “Com esse espírito de responsabilidade coletiva e destino comum¹, convido-os novamente a apoiar-nos nessa missão. Contem com o Brasil.” CHECAGEM DOS FATOS ¹Logo após ser eleito em 2018, pediu que o Brasil retirasse sua candidatura para sediar a Conferência do Clima da ONU (COP25), marcada para o ano seguinte. No evento, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, usou as reuniões bilaterais com países desenvolvidos para pedir dinheiro ao Brasil, enquanto dificultava negociações para criação de um mercado de carbono para incentivar ações de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. O governo Bolsonaro boicotou eventos regionais da ONU sobre mudanças climáticas ao longo de 2019 –cancelou um encontro regional da ONU sobre o assunto que aconteceria em Salvador e não enviou representantes ao Peru para uma conferência sobre gestão florestal e agricultura organizada pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

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