Consultora financeira explica sobre a nova liberação de empréstimo para quem é beneficiário do BPC
Há pouco mais de um ano, a fabricante de telhas Eternit pedia recuperação judicial e se via às voltas com a proibição do uso do amianto, substância cancerígena que usava em suas telhas.
Na semana passada, a empresa foi elogiada por um movimento que vai na contramão de seus problemas do passado. A Eternit apresentou na Feira Intersolar da América do Sul, maior feira sobre energia solar da região, uma telha fotovoltaica, isto é, capaz de transformar captação de luz em energia elétrica.
O produto deve começar a ser vendido em cerca de seis meses, primeiro em fase de testes a clientes selecionados, e chegando ao mercado geral entre 12 e 18 meses.
Células fotovoltaicas ainda são comercializadas no Brasil sobretudo em formato de painéis e em pequena escala, cerca de 1% da energia instalada no país, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O mérito da Eternit foi conseguir aplicar as células fotovoltaicas na própria telha, sem precisar de um painel adicional.
A dificuldade no processo era que as células, embora captem a energia vinda da luz do sol, não gostam de calor — que é abundante nas telhas. Assim, aplicar as células diretamente na telha exigiu diversos testes. “Parece simples, mas ninguém tinha feito isso antes porque a telha passa calor para as células e elas perdem eficiência. Então, tivemos de desenvolver um isolante para contornar esse inconveniente”, diz o presidente da Eternit, Luis Augusto Barcelos Barbosa.
Assim, a Eternit desenvolveu dois produtos. A telha que foi aprovada pelo Inmetro é mais cara e voltada aos imóveis comerciais e de classe A e B, e começará a ser produzida na fábrica da Eternit em Atibaia (SP). O próximo passo é terminar o desenvolvimento de uma telha fotovoltaica mais barata, que deve ser lançada em cerca de um ano e meio.
Neste caso, as células fotovoltaicas seriam colocadas nas telhas comuns, de fibrocimento, que hoje representam a maior parte do faturamento da Eternit e das telhas usadas no Brasil. (Essas telhas mais baratas antigamente eram feitas com amianto, e com a proibição do Supremo Tribunal Federal, hoje são feitas de polipropileno.)
O desafio é que esse tipo de telha é mais flexível e, portanto, pode danificar as células. A Eternit está desenvolvendo um outro polímero que absorve em partes esse movimento, diz Barbosa. “Isso será uma revolução, porque hoje os painéis solares são caros e com a telha de fibrocimento, muita gente teria acesso”, diz Barbosa.
Foram instalados no Brasil em 2018 cerca de 35.000 sistemas fotovoltaicos, segundo a Aneel. Neste ano, foram 32.000 somente no primeiro semestre. A Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica calcula que a energia solar recebeu 9 bilhões de reais em investimentos no Brasil no ano passado, e a expectativa para 2019 é que a capacidade instalada de energia solar aumente 44%.
Um sistema de energia solar com painéis custa no Brasil a partir de 10.000 reais para uma casa pequena, podendo chegar a mais de 20.000 reais.
A Eternit ainda não estabeleceu o preço de seu produto e diz ainda estar adaptando a produção em escala industrial. No caso das telhas, não será preciso trocar o telhado inteiro, e uma casa simples no Brasil, diz o presidente da empresa, conseguiria suprir sua necessidade energética com em torno de 100 a 150 telhas de concreto.
Segundo a Eternit, a compra e instalação da telha de concreto será de 10 a 20% mais barata que os painéis solares tradicionais, e a de fibrocimento pode ficar até 30% mais barata.
Os desafios pós-amianto
O lançamento da telha fotovoltaica fez a ação da Eternit subir 72% na última terça-feira 27, data do anúncio, fechando a 3,60 reais. De lá para cá, a ação caiu 29%, fechando a quarta-feira 4 a 2,80 reais — ainda assim, com um ganho real de mais de 30% na comparação com a ação antes da apresentação da telha.
“Ainda não foi divulgado o total do investimento e nem a expectativa de participação do segmento na receita, no entanto, tudo indica que as margens são mais elevadas”, escreveram os analistas da corretora Coinvalores sobre a nova telha, em relatório divulgado no dia 27 de agosto. “Consideramos positiva essa iniciativa da empresa pensando em longo prazo.”
A corretora Planner também escreveu em relatório que a telha fotovoltaica pode “marcar uma virada da empresa”, em um negócio “que enxergamos como muito promissor”.
O projeto começou a ser desenvolvido há cerca de um ano, poucos meses depois de a Eternit ser obrigada a parar de usar amianto em seus produtos, no fim de 2017. A crise do amianto levou a Eternit a perder mais de 80% de seu valor de mercado nos últimos cinco anos.
Era graças ao amianto que a empresa, fundada em 1940, havia se tornado líder na fabricação de telhas no Brasil e uma das maiores exportadoras da substância no mundo. Mas a Eternit tomou a decisão errada ao tentar defender o amianto até os 45 do segundo tempo, brigando na Justiça para tentar barrar a proibição, em vez de investir em materiais alternativos.
Antes da proibição do Supremo Tribunal Federal, o amianto já havia sido considerado como cancerígeno pela Organização Mundial da Saúde e tido seu uso proibido em mais de 70 países e em alguns estados brasileiros, como Rio Grande do Sul e São Paulo. Estima-se que, no mundo, mais de 100.000 pessoas morram todos os anos por doenças geradas pela exposição ao amianto, usado sobretudo na fabricação de telhas e caixas d’água.
Hoje, passados quase dois anos da decisão do STF, a empresa afirma que “abandonou 100%” o amianto, substituído por polipropileno em suas telhas. O volume de vendas de suas telhas mais populares, as de fibrocimento (agora feitas sem amianto), aumentou 48% no segundo trimestre de 2019 na comparação com o ano passado e 34% no acumulado do ano.
Uma mina de amianto da Eternit em Goiás, operada por sua subsidiária de mineração, a Sama, também foi desativada em fevereiro deste ano (com a demissão de centenas de funcionários). Com as mudanças, a receita dos primeiros seis meses de 2019 caiu 2,7%, fechando em 240,7 milhões de reais, mesmo na comparação com 2018, que já havia sido um ano ruim. O prejuízo no primeiro semestre deste ano foi de 55 milhões de reais, ante prejuízo de 45,9 milhões em 2018.
“O ano passado foi bem difícil para a Eternit. Tivemos de organizar a produção para atuar sem o amianto, foi um processo lento e custoso”, diz o presidente Luis Barbosa, mas afirma que o caso foi “superado”.
Em fevereiro do ano passado, Barbosa deu entrevista a EXAME pouco antes de embarcar para a Europa, para onde viajava visando procurar novos produtos e, segundo ele, construir a “nova Eternit”. A telha fotovoltaica, para além de um produto inovador, precisa ser um recomeço para que a Eternit não repita os erros do passado.